R 8 — Justine Kurland: SCUMB Manifesto e a Desconstrução da Autoria

Justine Kurland ¹ radicaliza sua relação com a fotografia e a autoria em SCUMB Manifesto (Society for Cutting Up Men’s Books), um trabalho que ecoa o tom provocador do SCUM Manifesto de Valerie Solanas. O projeto de Kurland não apenas rejeita a presença masculina no discurso fotográfico, mas propõe uma ação concreta de apagamento simbólico: rasgar e destruir livros de fotografia feitos por homens para criar algo novo a partir de seus fragmentos. Esse gesto performativo não é apenas uma crítica ao cânone patriarcal, mas uma reconfiguração da própria materialidade da fotografia como território de poder.

Kurland desafia a sacralidade do livro como um repositório intocável da história da arte, reivindicando o direito de desmontar a tradição fotográfica dominada por homens. Ao rasgar, remontar e fotografar essas páginas destruídas, a artista propõe uma metáfora visual para o colapso da autoridade masculina e a possibilidade de reconstrução de um novo olhar. No entanto, a ação levanta questões: destruir o passado é suficiente para criar um novo futuro? Até que ponto esse gesto é subversivo e não apenas reativo?

Se por um lado SCUMB Manifesto materializa um rompimento com a tradição, por outro, ainda opera dentro da lógica de confronto direto, um paradigma que pode reforçar a centralidade do mesmo sistema que busca desmantelar. Ao destruir os livros de mestres da fotografia, Kurland os reinscreve em seu discurso, ainda que na posição de antagonistas. Assim, o projeto provoca um paradoxo: a anulação da autoridade masculina não se converte necessariamente em um novo sistema, mas sim em um embate contínuo com a tradição.

O projeto dialoga com a ideia de ‘morte do autor’, na medida em que rechaça a autoria como um pedestal inquestionável, mas também levanta a questão de quem detém o poder de reescrever a história. A destruição como método de criação pode ser lida como um ato de resistência ou um gesto iconoclasta sem resolução definitiva. Em um campo onde a fotografia já está sendo desmaterializada pela era digital, a recusa da permanência e a escolha pela fragmentação se tornam ainda mais significativas.

Kurland não apenas desconstrói imagens, mas também reconfigura o que significa fazer parte de uma tradição artística. SCUMB Manifesto não é apenas um ataque ao cânone masculino, mas um questionamento sobre como a fotografia pode ser usada como ferramenta de reescrita e reapropriação. Sua obra expõe a complexidade da luta por novos paradigmas na arte, onde o gesto de destruição pode ser simultaneamente libertador e insuficiente para fundar um novo mundo visual.


1. SCUMB Manifesto by Justine Kurland - Family of Man, 2019. Courtesy of High Pictures Generation https://www.anothermag.com/art-photography/gallery/11670/scumb-manifesto-by-justine-kurland/3 2. Hannah Höch https://www.theguardian.com/artanddesign/2014/jan/13/hannah-hoch-whitechapel-review 3. Barbara Kruger https://www.tjapan.jp/art/17416271?page=9









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