Capítulo II




A Morte do autor

A Morte do autor




Palavra-chave: artificialidade.




 
Tudo começa com uma imagem que eu não escolhi: o meu nascimento. O corpo da minha mãe, aberto. O meu corpo, arrancado. É uma imagem que dói — um arquivo que é também uma ferida. A partir dessa origem, nasce a minha busca: o corpo — real, imaginado, fabricado, morto.

Primeiro, peço à máquina que crie um corpo. Desenho-o e escrevo-o: forte, amarrado, marcado. A inteligência artificial responde com corpos surreais — sem vida, mas cheios de marcas. Eu recorto, pinto, destruo, tento apropriar-me deles. Mas: de quem é esse corpo? Meu? Da máquina?

Então, eu faço o corpo com as minhas mãos. Construo-o de pano e vazio — um corpo que não respira, mas pesa. E com ele, saio. Desloco-me. Entro num autocarro. Carrego esse corpo como quem carrega uma ausência.

Vou para o cemitério. Faz 30 anos que não entro lá. Levo uma rosa branca. Viva. É a rosa que eu prometi deixar no túmulo da minha mãe. Mas o que encontro são rosas artificiais — imortais, sem cheiro, sem morte. O cemitério é um lugar estranho: as flores são falsas, e as memórias também. As placas contam histórias de santos — porque, ali, ninguém morre culpado, ninguém morre mau. A morte é um ritual de limpeza: apaga o erro, santifica o ausente.

E eu coloco o corpo ali — entre rosas que não morrem e memórias que não vivem. E fotografo. Porque talvez, nesta imagem, eu não esteja só a lembrar, mas também a tentar esquecer.




00:00       (2025)

O título A Morte do Autor remete ao ensaio de Roland Barthes, que defende a autonomia da obra em relação à biografia do seu criador, deslocando o sentido para o espectador. No entanto, este projeto subverte essa ideia ao mostrar que, embora a autoria possa se dissolver na experiência visual, a identidade do autor persiste nos rastros, nos vestígios e nas escolhas que moldam a obra. 

00:01       (2025)

A fragmentação do corpo, da memória e da narrativa sugere um paradoxo: ao mesmo tempo que a autoria se apaga, ela também ressurge nas marcas do processo e na materialidade da criação. A investigação questiona, assim, se a morte do autor é realmente possível, ou se a obra carrega sempre, de forma latente, a presença de quem a originou.




00:02       (2025)

A Morte do Autor é um ensaio visual e conceitual que investiga a fragmentação da identidade, a artificialidade da memória e a desconexão entre criador e obra. Partindo de uma busca por um corpo que não existe, o projeto percorre a relação entre o real e o fabricado, entre a presença e a ausência. 

 


00:03       (2025)

Utilizando a inteligência artificial, colagens, fotografias e objetos, a investigação revela a tensão entre materialidade e desaparecimento, propondo um olhar sobre a dissolução da autoria e a efemeridade das narrativas pessoais.   






O projeto A Morte do Autor reflete sobre a desconstrução da autoria e a artificialidade da memória na imagem contemporânea. Através da colagem, da fotografia e da inteligência artificial, questiona-se a relação entre identidade e representação, explorando a tensão entre presença e ausência.

O processo iniciou-se com uma busca por um corpo que não existe — um corpo forte, marcado pela experiência e pelo tempo. A tentativa de criá-lo digitalmente resultou em imagens idealizadas e artificiais, levando à sua desconstrução e reconstrução manual. Esse percurso se estendeu para o espaço urbano e culminou no cemitério, onde a artificialidade das homenagens confrontou a materialidade da memória.

A pesquisa estabelece diálogos com referências que exploram fragmentação e deslocamento, como O Espelho (Tarkovsky) e La Jetée (Marker), além das colagens de Frida Orupabo e Justine Kurland. Na interseção entre tecnologia, matéria e identidade, o projeto interroga se a morte do autor é possível ou se, apesar da fragmentação, sempre restam vestígios da presença de quem cria.




Capítulo I




   O Artista sem  obra

   O Artista sem  obra



Um corpo ausente nos trilhos. Uma promessa não cumprida. Um polvo na cama. Entre imagens e gestos interrompidos, surge a urgência de dar forma ao que escapa — o corpo silenciado, fragmentado, deslocado.
Este projeto não explica — reage. Não representa — encarna o desconforto.
Em cada ausência, uma presença fantasma.
O Corpo que Nunca Foi constrói-se no intervalo entre o trauma e a imagem, entre a memória dissociada e o desejo de existir. Um percurso onde o não-dito ganha corpo.



Palavras-chave: Arte, bloqueio criativo, interstício, ausência, abjeção, validação artística.



O Corpo que Nunca Foi é um projeto teórico-prático que reflete sobre o corpo silenciado, deslocado e dissociado — tanto no processo criativo quanto nas experiências afetivas que atravessam a existência. Parte de vivências marcadas por bloqueio, não pertença e memórias ligadas à ausência materna e à sensação de exílio emocional.

Através de imagens e ações simbólicas, constrói-se uma narrativa onde o corpo já não é funcional nem habitado — um corpo que falha, que não chegou a ser. A figura do polvo, retirado do seu ambiente, e o corpo de pano, moldado à mão e carregado como extensão íntima, tornam visível essa presença fragmentada e instável.

Alguns conceitos de Julia Kristeva e da psicanálise lacaniana, como a abjeção, o real e o simbólico, são aqui evocados de forma sensível — não como fundamentação teórica, mas como leitura pessoal de um percurso atravessado por falhas, hesitação e desejo de dar forma ao que não se diz.

O Corpo que Nunca Foi recusa a lógica da produtividade contínua, onde só o corpo que cria, produz e performa é validado. Aqui, a pausa, o vazio e a interrupção não são falhas — são formas de existência. A não concretização, o silêncio e a hesitação tornam-se matéria.Um corpo que nunca chegou a ser, mas que perturba.




O Corpo que Nunca Foi
Este projeto nasce da inquietação diante do bloqueio criativo — do espaço suspenso entre o impulso de criar e a ausência da obra. É um corpo em pausa, uma tentativa de escutar a frustração antes do gesto. Um diálogo com aquilo que não se concretiza, mas insiste em aparecer sob forma de imagem.

Símbolo
Foi o acaso que me guiou. Do choque de um corpo sem rosto à banalidade de um polvo num supermercado. O que liga essas imagens? Talvez o deslocamento, a morte, a estranheza do familiar.

O ato fotográfico
No ato fotográfico, sou consciente. Mas o que crio escapa-me. O polvo é cúmplice e espelho. E quando ele chora, sou eu quem sangra. E quando me vejo refletida, já não sei quem sou.


O ritual de devolução
Devolvo o polvo ao mar. É um adeus, mas também um reconhecimento. O que começou como bloqueio tornou-se processo. O que era matéria tornou-se símbolo. E eu, que comecei perdida no interstício, acabo por me perder e me encontrar nele.




Capítulo II