Capítulo II
A Morte do autor
A Morte do autor
Palavra-chave: artificialidade.
Tudo começa com uma imagem que eu não escolhi: o meu nascimento. O corpo da minha mãe, aberto. O meu corpo, arrancado. É uma imagem que dói — um arquivo que é também uma ferida. A partir dessa origem, nasce a minha busca: o corpo — real, imaginado, fabricado, morto.
Primeiro, peço à máquina que crie um corpo. Desenho-o e escrevo-o: forte, amarrado, marcado. A inteligência artificial responde com corpos surreais — sem vida, mas cheios de marcas. Eu recorto, pinto, destruo, tento apropriar-me deles. Mas: de quem é esse corpo? Meu? Da máquina?
Então, eu faço o corpo com as minhas mãos. Construo-o de pano e vazio — um corpo que não respira, mas pesa. E com ele, saio. Desloco-me. Entro num autocarro. Carrego esse corpo como quem carrega uma ausência.
Vou para o cemitério. Faz 30 anos que não entro lá. Levo uma rosa branca. Viva. É a rosa que eu prometi deixar no túmulo da minha mãe. Mas o que encontro são rosas artificiais — imortais, sem cheiro, sem morte. O cemitério é um lugar estranho: as flores são falsas, e as memórias também. As placas contam histórias de santos — porque, ali, ninguém morre culpado, ninguém morre mau. A morte é um ritual de limpeza: apaga o erro, santifica o ausente.
E eu coloco o corpo ali — entre rosas que não morrem e memórias que não vivem. E fotografo. Porque talvez, nesta imagem, eu não esteja só a lembrar, mas também a tentar esquecer.
O título A Morte do Autor remete ao ensaio de Roland Barthes, que defende a autonomia da obra em relação à biografia do seu criador, deslocando o sentido para o espectador. No entanto, este projeto subverte essa ideia ao mostrar que, embora a autoria possa se dissolver na experiência visual, a identidade do autor persiste nos rastros, nos vestígios e nas escolhas que moldam a obra.
A fragmentação do corpo, da memória e da narrativa sugere um paradoxo: ao mesmo tempo que a autoria se apaga, ela também ressurge nas marcas do processo e na materialidade da criação. A investigação questiona, assim, se a morte do autor é realmente possível, ou se a obra carrega sempre, de forma latente, a presença de quem a originou.
A Morte do Autor é um ensaio visual e conceitual que investiga a fragmentação da identidade, a artificialidade da memória e a desconexão entre criador e obra. Partindo de uma busca por um corpo que não existe, o projeto percorre a relação entre o real e o fabricado, entre a presença e a ausência.
Utilizando a inteligência artificial, colagens, fotografias e objetos, a investigação revela a tensão entre materialidade e desaparecimento, propondo um olhar sobre a dissolução da autoria e a efemeridade das narrativas pessoais.
O projeto A Morte do Autor reflete sobre a desconstrução da autoria e a artificialidade da memória na imagem contemporânea. Através da colagem, da fotografia e da inteligência artificial, questiona-se a relação entre identidade e representação, explorando a tensão entre presença e ausência.
O processo iniciou-se com uma busca por um corpo que não existe — um corpo forte, marcado pela experiência e pelo tempo. A tentativa de criá-lo digitalmente resultou em imagens idealizadas e artificiais, levando à sua desconstrução e reconstrução manual. Esse percurso se estendeu para o espaço urbano e culminou no cemitério, onde a artificialidade das homenagens confrontou a materialidade da memória.
A pesquisa estabelece diálogos com referências que exploram fragmentação e deslocamento, como O Espelho (Tarkovsky) e La Jetée (Marker), além das colagens de Frida Orupabo e Justine Kurland. Na interseção entre tecnologia, matéria e identidade, o projeto interroga se a morte do autor é possível ou se, apesar da fragmentação, sempre restam vestígios da presença de quem cria.